sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Dilatando a paciência

Era pra ser um simples exame de vista. E de fato foi. O problema foi só o que veio depois.

Bem, eu não sei se aquele colírio de dilatar a pupila é usado como droga, ou se alguém já pensou nisso, mas é uma viagem (principalmente para uma míope) ver as coisas se embaralhando de perto. Pessimista que sou, não podia deixar de ver o lado ruim da coisa, até porque toda droga tem sua bad trip: os olhos ficam muito mais sensíveis à luz.

Saí da clínica às 11h de uma manhã clara e sem nuvens, e fui instantaneamente ofuscada. Pus os óculos escuros e tentei me acostumar um pouco à claridade. Como estou acostumada a fazer o caminho, pensei que não seria tão difícil voltar para casa, era só olhar para baixo. Quase fui atropelada umas três vezes, mas tudo bem, isso é normal quando eu enxergo(?) também.

Cheguei em casa como quem chega a um oásis, toquei a campainha como um sedento que pega uma moringa d'água, esperando que um dos 8 habitantes do meu lar abrisse a porta. Toquei uma, duas, três... na sétima tentativa, meu telefone tocou. Era minha mãe avisando que estava na feira e não tinha ninguém em casa.

Parece que minha mãe sabe o momento certo de fazer a coisa errada: neste exato instante, um carro estranho foi passando devagar, olhando pra mim na porta de casa, enquanto eu falava no telefone- pronto, agora que me assaltam logo.

-Tchau, mãe, tenho que desligar, vemlogo!- guardei o celular

O carro voltou e parou bem na minha frente. Fui desesperando cada vez mais, já que não enxergava nada. Mas de cara descartei a hipótese de sequestro: sou pobre e não tenho cartão de crédito, nem ia servir, eles iriam entender...

-Cara estranho: Bom dia.
-Bianca desesperada: ô moço, eu sou sem teto, cega e pobre, é melhor você sequestrar outra pessoa.

- CE: Dona Sampaio é aqui?

-Bianca aliviada: ah, é minha mãe que você vai sequestrar? Ela já ta vindo...
- CE: é uma entrega pra ela (pondo uma caixa de aspirador de pó na minha frente). Assina esse papel por favor.

- ...

- Bianca tranquilamente: A caneta.

- CE: eu sem caneta, moça.

- Bianca não tão tranquila: como quer que eu assine sem caneta?

- CE: a sinhóra num tem uma aí não?

- Bianca indignada: não é a MINHA obrigação andar com caneta na bolsa, e eu ainda estou pra fora de casa e... espera o telefone ta tocando.

{Mãe, cadê você? Eu preciso entrar, ta calor, o Sol ta me cegando, e seu bendito aspirador de pó resolveu chegar logo agora. Pra que você quer um aspirador de pó, você nem usa a cafeteira ou a fritadeira elétrica! A propósito, você tem uma caneta aí...? Vem logo!}

- Bianca perdida: então, cadê a caneta?

-CE: é que a mulher roubou minha caneta.

- Bianca ainda mais indignada: você deixou que uma mulher lhe roubasse uma caneta? E se fosse uma mercadoria, como você ia explicar pra distribui...

- CE impaciente: pronto, moça, já achei outra caneta, ó, toma!

- Bianca conformada: não posso assinar, não enxergo.

- CE se alterando: mas como a senhora anda pela rua sem enxergar?

- Bianca já alterada: e como é que o senhor faz entregas sem caneta?

- CE p* da cara: ó, moça, tem um X aqui, é só botar seu nome do lado.

- Bianca mais p* ainda: eu sei como se assina, obrigada!

Papéis assinados e entregues

- CE compadecido: não é perigoso a senhora ficar aí sozinha?

- Bianca inconformada: ah, agora tu ta com medo que me roubem o aspirador de pó? Na hora de obrigar uma pobre cega a assinar um papel que eu nem li, você não teve pena... Pode deixar que a minha mãe chega a tempo de salvá-lo.

Ele entrou no carro com cara de quem nunca mais faria uma entrega em minha casa.

Enquanto o carro ia embora, olhei para o final da rua, e contei 5 segundos até minha mãe virar a esquina. 10. 20. 2 minutos. Resolvi sentar sobre a caixa do ultramegapowertuboturbo e esperar. E depois de meia hora, quando eu já estava cega, desamparada e as pessoas passavam por mim jogando moedas, eis que aparece minha mãe:

- Ahhhhh meu aspirador de pó chegoooou!

Eu, completamente esgotada pela desidratação depois de horas sob o sol:

- Mãezinha, você não sabe o que me aconteceu...

- Mas cadê a minha máquina de lavar?

É, mãe é mãe. Mas às vezes é cilada.