domingo, 26 de abril de 2009

Um brinde ao ócio

Passei a tarde e boa parte da noite dedicada a um singelo trabalhinho de literatura. Além do meu nível básico de estresse, estava levemente desesperada com o tempo, então fui atrás de café para aguentar a madrugada. A máquina de café mais usada do refeitório estava desligada. Pois é. Mas eu, espírito em evolução que sou, fui caminhando CALMAMENTE até o outro lado (e o caminho É longo), e eis que a segunda máquina também estava desligada. Aí, meu caro, tive que explodir.

 

BP-NÃOÉPOSSÍVELQUETENHAMCORTADONOSSACAFEÍNAAAAAAAAAAHHHHHHH!

(Alguém pelas redondezas)- Ihh, minha filha, já cortaram o chocolate, a coca-cola, fritura... isso é o de menos.

 

            É claro que respirei fundo, não posso desandar o processo de evolução. Mas respirei beeeem fundo. Tudo bem que minhas células adiposas ficam muito felizes com chocolate, mas CAFÉ??? Café é meu combustível de trabalho, isso é um absurdo. Fiquei tão indignada que terminei o trabalho muito antes que o previsto, e agora cá estou, sem nada para fazer. 

            Embora eu realmente prefira toddy ao tédio, não é isso. É algo muito mais sublime e essencial: é ócio. Este sim, um verdadeiro bálsamo benigno. Ele é que lhe permite, além de não fazer nada, não ter nada pra fazer. Creio que hoje, é esse o artigo mais caro onde vivo. Mais que uma barra de hershey's, uma caneca de café, um 10 na prova de química inorgânica ou repetir a sobremesa. O bem mais cobiçado de minha apressada vida ultimamente é poder ficar contando os quadradinhos do gesso do teto.

            É domingo e vou acordar bem cedo. Só pra não fazer nada.

 

terça-feira, 7 de abril de 2009

Na medida da lata

Forca viva, alma líquida, olhos no chão. Ela era o que os outros não desejavam ser. O senso comum, o medo do perigo, tudo isso indicava a direção certa. E era pela oposta que ela costumava andar. Todos a chamavam, gritavam: placas, setas. Querer só o que se pode ver não a satisfazia. Agora sem ela, ainda há um mundo colorido antes do “compre já”. Frida não combina com as ruas frias, Warhol já não é pop. Tudo mudou, exceto o “agite antes de usar”. Comprava sonhos em frasquinhos; 350 mililitros. Tinha uma forma peculiar de ver o mundo, que não a via, e um estranho jeito de gostar de opostos. Por isso a fazia bem andar à noite, se camuflava no escuro.

Foi contando os trocados do café até encontrar o comércio mais próximo. O atendente a olhou e disse: vai levar quantos? Levaria todo o maço se pudesse, mas o bolso não estava para isso. “Três apenas”, respondeu tentando desviar os olhos. O lugar era bem simples, até porque já não podia exigir muito. No letreiro um tanto enferrujado lia-se “MERCADINHO FAMÍLIA”, embora não fosse nada acolhedor.
            - Mais alguma coisa?- naquele instante ele lhe recordou algo, mas que fugiu assim como veio.
Seus olhos eram extremamente indagadores e ela tinha vontade de pedir um isqueiro.  Ele parado.
            - Uma caixa de fósforos, por favor.

Levou um bom tempo até chegar em casa. Não sabia se por pensar no rapaz ou mesmo para saborear o trago, porque sabe, a noite costuma ser fria (e a brasa pouca).  Mal havia entrado em seu novo lar e já sentia o cheiro de mofo que tanto a atordoava. Bebeu o resto da água que havia sobrado num copo largado em cima do caixote que fizera de mesa. Tinha gosto de decadência. Perséfone apareceu sorrateiramente e aninhou-se entre suas pernas. Mal sabia que o tempo de filé mignon havia acabado. Teria de aprender a caçar ratos, como ela estava aprendendo. No fundo era essa a vida que sempre quis ter. Sem perfumes, sem anjo da guarda, sem cores (um apartamento cinza), só ela e sua gata.

Acordou por força do hábito, e em pouco tempo os raios de sol já vinham açoitá-la pela janela. Deitada no chão mirava as manchas de infiltração do teto e seus bizarros desenhos entre notas musicais. Perséfone ronronava num canto. Agora sim sabia que solidão era a companhia mais fiel. “Ainda bem que é o fim do inverno, logo ela volta do submundo”- pensou. Ficou ali, calma, enquanto os automóveis tinham pressa na avenida.

Sua mesa improvisada parecia tão longe, sentia-se exaurida, gasta até a última gota. Seus desejos eram os mais ínfimos: uma caneca de café forte e quase frio; abandono. A tarde cinza era sem sol, sem chuva, sem graça.

A noite chegou sem que ela ao menos se movesse. A lâmpada piscava, piscava e não queimava, porque algo ainda a conservava. Talvez tenha a missão de iluminar seu fim. Um inseto impertinente zumbindo ao redor em busca da luz, a faz lembrar as pessoas. Aquelas que cumpriam os mesmos padrões, embalagens e conteúdo, nos quais ela não se enquadrou. Olhou a garrafa de conhaque vazia e nesse momento era tudo isso: vazia. Não merecia sentimento algum dentro de si, nem mesmo o conhaque culinário mais vagabundo, sequer retocar o batom. Sabe que sua verdadeira face é aquele estado lastimável, embora quisesse tanto ser uma rosa, tão vermelha quanto sua vida. Sim, lembrava agora de suas noites mal iluminadas por uma luz avermelhada. E só. Não dormia para não ter que sonhar, até que seu tempo findou. O movimento na avenida continuava. A lâmpada piscou outra vez. Ela apagou.

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Ignorando Adriana Calcanhotto

Há muito que o sábado deixou de ser dia da vadiagem malemolente. Agora além da manhã de estudo, tenho uma tarde de serviços. Mas tudo bem, é esse tipo de coisa que evolui o espírito. E na tarde desse último sábado, eu deveria ter ido à palestra do trabalho voluntário obrigatório (vulgo trabalho escravo), mas consegui escapar, graças ao bom Vagner, que me designou serviços mais interessantes no teatro, como arrumá-lo para a visita da Adriana Calcanhotto.              

A entrevista com ela foi melhor do que eu esperava. Ela é menos seca do que eu imaginava. É engraçado analisar como ela passa sensações diferentes. Enquanto eu estava na plateia ela me pareceu um tanto carrancuda, mas quando subi ao palco, ela tinha uma expressão sorridente, mesmo sem sorrir. Ah, sim, este foi o cume do evento: a profa. Regina chamou ao palco os vencedores do concurso literário, e como eu era a primeira da fila, fui um guia meio perdido. Cheguei ao palco ainda sem saber o que fazer, ninguém me havia instruído, e eu sabia que, não importava o que eu fizesse, o resto da fila me seguiria. E isso era muito mau. Então eu, caradepaumente, fui até ela, e como a indigna nem se levantou para me cumprimentar, abracei-a ali mesmo, quase sufoquei a mulher, e pedi que autografasse meu livro. Minha atitude deve ser sido tão idiota, que, para minha surpresa, o resto da fila não me seguiu. Nesse instante me chama  Janaína, que estava ao lado da escada que dava acesso ao palco:

Jana: Bianca, lê o texto!? Cadê
Eu calma: Tá ali embaixo, relaxe.
Adriana Calcanhotto: Ei, qual o seu nome?
Eu ,atrapalhada, de costas para ela, gritando em cima do palco: Guilheeerme, cadê meu teeexto?
Adriana Calcanhotto:  ...
Eu nervosa: É Bianca, Bianca Sampaio!!!

Novamente dei as costas a Adrix eu comecei a ler o texto, já sabendo que a platéia ia dormir na metade. Não apenas eu senti, como todos perceberam a folha de papel vibrando freneticamente em minha mão. É, nem tava nervosa.

Em um momento do texto, depois de ter falado no microfone “o copo de conhaque”, pensei: droga, deveria ter dito “o copo de coca-cola”. Duas linhas abaixo tinha outro conhaque, mas aí já não adiantava mudar, porque transformar conhaque em coca-cola, aí nem Jesus! Consegui terminar o texto sem desmaiar e peguei de volta meu livro, agora já autografado com os dizeres “A Bianca a Saga Lusa, com palavras que me faltam.”

Não sei se ela simplesmente não estava a fim de escrever, ou se devo acreditar no meu professor, que disse que ela até parou de autografar só para me ouvir e ficou sem palavras. Por via das dúvidas, escolho a segunda. Para algo nessa vida eu tenho que servir!

Amanhã eu posto o famigerado (pelo menos para meu professor de matemática, que teve que aceitar a justificativa de não estudado pro teste no fim de semana) texto.