segunda-feira, 26 de outubro de 2009

O Bondinho de Santa Teresa

Quando levo minha alma para passear, troco os centavos suados pelo bilhete de entrada. Acompanho o embarque das fitas dos chapéus dos malandros, das flores dos vestidos das moças, das tranças loiras dos cabelos das meninas. No balanceio do caminho, os homens pendurados agarram-se nas barras, enquanto dispensam atenção às pernas de louça da moça sentada.

Consigo andar sobre os arcos da Lapa sem me desequilibrar, como bobos ou trapezistas em seus trajes cintilantes. Posso voar sobre o Circo Voador, e ficar mais alta que todos os boêmios entre bares e calçadas. A barra do meu vestido veste a Baía de Guanabara, até que serpenteio a rua na subida da ladeira, com um gingado espontâneo de curvas.

Deixo o dia para trás, no mundo real das luzes da cidade: postes, faróis e largas avenidas. A luminosidade agora vem dos vagalumes e das luminárias dos bares e ateliês. Os artistas caminham, conversam, cumprimentam e fazem arte. As artes voam, gritam, apresentam e identificam este lugar.

O que vejo de cima é igual a todos os maçantes dias: a mesma ponte, o mesmo velho mar. A lua inteira, não é como uma semana atrás, mas até seu ciclo se repete, seu lado escuro é sempre igual. E o Largo das Neves é o mesmo, vendo o bonde passar, e o Cine Odeon é o mesmo, vendo filme passar.

Uma moça com brincos de semente corre para alcançar uma alça e segue viagem conversando com um dos passageiros no banco. Pensei ser gente dali, mas afinal, quem é essa gente? Todo mundo é de lá, mesmo que não esteja, não faça, não pense, não viva nem conviva os trilhos do bonde. Até o cego da terceira fileira sabe, que cada cheiro tem sua cor. A moça dos brincos desceu próximo a uma ladeira. Uma das tantas.

A noite alaranjada pelos postes lá embaixo já se anima. Descendo o morro, deixo o velho som do cavaquinho do músico solitário, para ouvir os batuques dos tambores que esquentam para a noite. Da calma do alto, das artes, me encaminho de volta à cidade do mundo real. O barulho do freio no trilho anuncia a chegada.

domingo, 25 de outubro de 2009

Novos velhos conceitos

Despir-se do narcisismo como convida Caetano: não é espelho esta cidade. No 15º andar na Avenida Paulista, procuro o mar no horizonte, como normalmente faria em Salvador. Mar de prédio, mar de gente. Definitivamente, não é espelho. Não encontro aqui as ladeiras do Pelourinho, as barracas de praia, ou os coqueiros de Itapuã. Não me toca, como a outros, cruzar a Ipiranga com a São João, como ver a extrema pobreza em cama de jornal na praça da Sé, ou ver o explícito tráfico e prostituição da janela do hotel no centro da capital. Sei que a cidade não é só isso, mas sendo necessário desconsiderar estes fatos para perceber seus encantos, é difícil aceitar tamanha ignorância.
Na praça, andei pela história, pelos banqueiros de outrora, pelos barões do café e seus monumentos na mesma praça, tropecei em mendigos e seus cobertores. São Paulo é rica em sua vontade de ser Chicago, verde na tentativa de Central Park, e linda em sua diversidade. Tem criança que bate, homem que apanha, polícia que corre, bandido que manda, família e domingo no parque. Meninas que brincam na calçada, meninas que choram sem pai, meninas que andam no shopping, meninas dos Jardins, meninas da Augusta. Todas gostam de happy end.
Eu não simpatizava com São Paulo. Nem um pouco. A ideia de engarrafamentos nas marginais, e seus odores, muita gente perdida e outro tanto no rumo errado, e de que o céu era cinza, não pela poluição, mas pela quantidade de prédios, que não nos permitiria vê-lo. E eu estava certa. São Paulo é isso, e mais um monte de defeitos, e outro monte de qualidades.
É uma cidade plural. É o plural da gastronomia, da arte e da arquitetura, mas dizer que há lugar para todos é hipocrisia. A não ser que a porta da igreja seja considerada um lugar decente para dormir. Hipocrisia também seria negar que isso exista em qualquer outra grande cidade. Porque todos nós temos prédios pichados dentro de nós, mas também temos ibirapueras, museus, mercados, enfim, o que tentamos mostrar. Até Liberdade nós temos em comum. Temperamento e tempo inconstantes, como de repente chovo na tarde de Sol.

domingo, 18 de outubro de 2009

Sampa trip

CAPÍTULO I- Sexta-feira

Antes de mais nada, a demora na postagem foi pela velocidade dos acontecimentos. Saí muito cedo, voltei muito cansada, e mesmo com minha boa vontade de postar durante a viagem, pagar 16 reais por 1 hora de internet no hotel não me parecia a melhor ideia.

Saí do dormitório às 4:30 da manhã, com mala, mochila, chaves, caderno, caneta, mentos, muito sono, e a velha sensação de estar esquecendo alguma coisa. Empurrei algumas coisas goela abaixo, porque não se pode chamar de café da manhã uma refeição feitas antes das 7h! Já me encaminhando para o ônibus, encontrei os amiguinhos do bem:

- E aí, Sampaio, trouxe o baralho pra rolar o truco?

- Claro, o baralho. O baralho? O baralho!

A velha sensação estava certa. Fui correndo (na minha velocidade habitual, claro) até o quarto, achei o baralho embaixo de alguns livros e anotações, e voltei em menor velocidade, para evitar a fadiga. No escuro da madrugada, senti que estava sendo seguida ao atravessar a ponte. Hesitei um pouco em olhar para trás, mas quando finalmente o fiz; ninguém. Acordar cedo realmente não é de Deus. Por volta de 6h, o ônibus era um mar de gente roncando. Só eu acordada. Percebe-se que o Sol e eu não nos entendemos quando o assunto é sono.

Rios, pontes e pedágios, até que enfim chegamos ao destino: prédios, marginais, vendedores de carregador de celular nas marginais, barracos sob viadutos, trânsito. É, isto é São Paulo.

Fiquei hospedada em um hotel da Av. Ipiranga, que, segundo as más línguas, foi uma casa de tolerância décadas atrás, porque os corredores em forma de labirinto são bem suspeitos, sem comentar o que se pode ver na madrugada no centro de São Paulo. Sentia-me uma câmera escondida do Fantástico. Mandei as malas pelo elevador e subi pelas escadas, para poupar tempo. Ledo engano. Não entendia porque o corredor começava pelo 319, depois passava para o 305, até que quase perdida consegui achar meu quarto, e descobri que eram vários elevadores e várias escadas. Consegui achar minha mala na frente de um dos elevadores que ficava do lado de uma das escadas, e ainda refiz o caminho até o quarto sem me perder, mas ainda havia a sensação de estar esquecendo alguma coisa. De repente ouvi uma voz ao longe chamar meu nome. Minha colega de quarto não era tão sagaz quanto eu para achar caminhos em labirintos. Fui buscá-la antes que o ônibus saísse sem nós.

Museu da Língua Portuguesa- a primeira visita foi feita logo após o almoço e com uma boa dose de sono, mas o fato de não ser guiada ajudou bastante. Não há nada mais chato em um museu do que alguém fazendo perguntinhas-pegadinhas para depois iniciar uma explicação detalhada na obra, que consegue prender sua atenção em qualquer coisa que não seja o tema em questão. Atravessando a rua, chegamos à Pinacoteca, onde fomos recebidos pela Ninfadora Tonks professora e artista plástica do cabelo cor de chiclete ploc, que nos conduziu pelas exposições de Matisse, Almeida Júnior, modernistas e outros tantos. Mas a melhor obra eram piscininhas com sopeiras de porcelana, que encostavam umas nas outras e faziam barulho de chuva caindo na telha.

A noite era de jogatina no saguão do hotel, som de música com zuada de truco, coisital. Resolvemos ir para um lugar mais tranqüilo para jogar. A coisa funcionou mais ou menos assim:

- Ei, vamos jogar no quarto do Zé?

- Êa, jogatina no quarto do Zé! Onde é?

- Lá no 14.

- Chamar mais 14?

- O quê? Festa no 14?

E quando chegamos, parecia que a fuzarca tinha se transferido do saguão para o quarto. Enfim, é o que chamo de esquema “Rua Flores, oito e meia”.

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Laranjas podres

Os feirantes separavam suas frutas ao amanhecer, antes que chegassem os clientes. As estragadas deveriam ser descartadas, antes que contaminassem as outras.

Valentim era o menor dos três. Eram todos magros como os restos de cachorros mortos encontrados na Rua França, às margens do esgoto a céu aberto, junto a toda podridão daquela gente. Se a infância deve ser lúdica em qualquer lugar, também lá o seria. Laranjas podres, cascas de ovo, sacolas plásticas rasgadas, caixas de leite: até o lixo era livre.

E eles andavam sobre a imundice, sujos e imponentes. Eram os heróis do bairro sem glória. Nasceram e cresceram na lama, eram como caranguejos, como irmãos. Jonas era o mais forte, mais corajoso, protegia os outros como um baluarte, enquanto Ezequiel sorria, dizia aonde ir: praia, canal, maré cheia, becos, ladeiras.

As pessoas ali se conheciam de longínquos carnavais, sob pesadas e brilhantes fantasias, guerreiros e lanceiros, vendedores de umbus maduros em sacos de nylon amarelo, que permitia o subterfúgio da seiva, dando um odor azedo ao dia que acabava de nascer.

O novo dia tinha a mesma fedentina da véspera. Os raios avermelhados que vinham da praia adentraram a lona, subitamente levantada e fizeram despertar Valentim, que abrindo os olhos vislumbrou a silhueta de Jonas, que saía para ajudar Felício na pescaria. Era como um pai. Embora desconhecesse tal sentimento, Jonas era seu pai. Saía pelas ruas saudando os pobres como ele, arrastava a rede com a virilidade e malemolência do homem do mar, e, acima de tudo, o protegia. Jonas era tudo o que Valentim sonhava ser.

O velho Zózi, que viveu mais que qualquer outro velho dali, contava histórias antigas: dos ruivos, gabirus, da praieira. Sem uma perna, passava o dia encostado ao muro de um casarão em ruínas, lembrando em risos o passado, advertindo em prantos o futuro próximo. Chamou Jonas para mostrar-lhe a mancha da traição que encobria o Sol. O rapaz comoveu-se com sua ilusão, devia estar ficando cego. Preveniu-o a respeito de um vergalhão solto no casarão, que tivesse cuidado ao arrastar-se entre os pregos. Afinal, era um velho sábio e bom, apesar da caduquice.

Valentim olhava por cima do mar, esperando a volta de Jonas. Ezequiel, já na rua, se aprontava para a embolada. Era noite clara, e iam ver as estrelas do alto, no último andar do casarão. O velho Zózi já havia se recolhido, os cachorros rondavam o lugar, com suas chamativas costelas. Subiram os três, contemplando a noite do Recife. Ezequiel contou sobre o carro novo de Manoel Cândido, o comerciante; era tudo o que eles queriam ter. Pensaram sobre o que ou quem gostariam de ser. Valentim sabia. Valentim era o menor dos três.

Foi sentindo o sal exalado pelo corpo de Jonas que seus braços magros o empurraram para o negro da noite. Valentim era o menor dos três. Jonas, o maior, sentiu o vergalhão atravessar seu corpo viril fazendo com que o sangue escorresse pelo chão de terra, e lá ficou, até que nascesse o novo sol, sem manchas. Na calçada, além da sujeira habitual, o sangue seco. Valentim sabia. Queria ser Jonas.

sábado, 19 de setembro de 2009

Suicídio literário

Era infernal o calor do cobertor quando Miguel despertou no escuro de seu quarto. Jogou para o lado o travesseiro ensopado de suor. Abriu as cortinas esperando, em vão, pela invasão da luz matinal. Eram 3h da manhã e sentia agora o amargo da garganta seca. No caminho até a geladeira, teve uma estranha sensação de estar acompanhado, embora morasse sozinho.

A água gelada foi um imenso alívio em meio ao ardor da madrugada inebriante, que tão cedo não o deixaria dormir tranqüilo. Deitou novamente e fechou os olhos: a luz do computador surgia como um flash em sua mente, e todas as palavras que já havia escrito eram sussurradas em seus ouvidos, cada vírgula lhe fixava os olhos. Desejou que fosse um pesadelo, mas sabia que não estava dormindo; não conseguiria.

Descerrou os olhos, novamente a escuridão difusa. Levantou por impulso, com uma angústia que lhe doía a boca do estômago.Na sala, o susto que curou até sua azia espiritual: Dona Henriqueta, sentada em seu sofá, olhava-o atirando a quem é de direito toda a culpa. Até que ponto sua insônia o levaria?- pensou. E a ingênua crença de ilusão noturna continuaria caso ela própria não tivesse tomado a atitude.

-É inconcebível que não te envergonhes de tal atitude, senhor.- disse a velha inconformada.

Miguel se recusava a acreditar que realmente a ouvia, ainda que ele falasse como a Dona Henriqueta de seu livro

-É inaceitável apenas que interrompa meu sono para me importunar, assombro!- bradava Miguel cobrindo os olhos.

-Então achas justo o que tens feito conosco ao longo de todas essas páginas?- o espectro falava com desfaçatez enquanto se aproximava do rapaz.

-Nós?

Miguel afastou as mãos do rosto e olhou, com olhos vidrados, todos os seus personagens caminhando pela sala do seu apartamento, suplicando por um roteiro diferente. Analisou que discutir com a própria imaginação já beirava a loucura, e precisava finalmente dormir. Caminhou delirante até o quarto, onde as janelas abertas davam passagem ao vento, esvoaçando a cortina. Deveria se afastar de todos aqueles fantasmas para sentir-se pelo menos lúcido. Enquanto se encaminhava para a cama, viu a menina ruiva em cima do criado-mudo, o marinheiro húngaro no umbral da porta, e Dona Henriqueta deitada na cama. Todos o cobravam com olhos lancinantes.

Não havia como fugir sem alterar o que já havia em seu romance. A janela do 9º andar o convidava, o chão pareceu mais confortável que sua cama. Do ar ele olhava para o céu, e todas as suas palavras o seguiam, lançando-se do alto.

sábado, 15 de agosto de 2009

Desespero literário

É me jogar da janela da sala de aula, de cabeça em um espelho d’água, por faltar 24 horas para eu entregar um texto que ainda não tenho ideia de como começar. Um traumatismo craniano.
Ainda conservo a ilusão de que ideias por encomenda funcionam bem na pressão dos últimos minutos.

domingo, 9 de agosto de 2009

Ao dia

O segundo domingo de agosto é um grande dia. Famílias se reencontram e coisa e tal. Ainda que poucos pais não possam estar com os filhos e lamentem por isso. Mesmo que alguns filhos não consigam ver os pais, eles realmente lamentam por isso. E é para essa exceção à regra que deixo a singela homenagem: uma música boba.


Todo herói tem um medo

Na hora do medo
Ranger os dentes, estalar o dedo

E revelar para o mundo um pequeno descuido
De meio segundo
Estranho segredo

Que não pode te contar
A verdade é que o herói tem medo

De amar tem medo
A verdade é que o herói tem medo

Nem o calor mais profundo derrete este chumbo
Que é o coração do homem de aço
Gira em torno do mundo em meio segundo
Mas algo lhe causa embaraço

Que não pode te contar
A verdade é que o herói tem medo

De amar tem medo
A verdade é que o herói
Tem medo

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Back in Bahia

Ulisses invejaria as casualidades modernas. Odisseia foi apenas uma história que Homero teve disposição de contar. Voltar para casa é, desde a Antiguidade, uma aventura entre naufrágios, voos atrasados, sereias, tempestades, turbulências, bons encontros, bons amigos, y otras cositas más.

Saí às 5h da manhã de domingo, e pela hora e época, já vestia um casaco. Mal sabia que aquele frio não era nada. A sala de embarque do aeroporto Santos Dumont foi pensada para ser um frigorífico. O dado não é oficial, mas não vejo explicação mais aceitável para tantos dutos de ar, e onde quer que eu sentasse, sempre tinha um na minha frente, então resolvi andar. Todos os outros passageiros sentadinhos, com seus laptops, e eu andando de um lado para outro. Muitos nem chegaram a levantar os olhos para reparar na criatura perambulante, mas não deixaram de notar o all star roxo que ia e vinha. Pelo visto, só eu me incomodava com o frio. Acho que minhas moléculas não estavam sequer acordadas, quem dirá agitadas!

Devidamente embarcada, resolvi ler um pouco para não dormir. Ficou na intenção. Acordar cedo depois de uma madrugada de jogatina e tiritando de frio, tentar ler Kafka. Dormi, óbvio. Acordei ao sentir que entramos em uma "zona de instabilidade", já próximo a Campinas. Olhei pela janela e me senti no Ártico. As nuvens estavam tão densas que pareciam blocos de gelo.
Pousamos em Viracopos, e calmamente desembarcava, descendo as escadas e... aimeudeusquefrio! Temperatura de 10º C, com sensação térmica de 2ºC (a sensação térmica é minha, dou a ela a temperatura que eu quiser). Fui carregada pelo vento até a sala de embarque, que naquele momento era o lugar mais confortável do mundo. Quente como sofá de casa de vó.

Mal entrei e já avistei um café. Dirigia-me a ele, quando, passando pela tela, resolvi olhar a situação do meu próximo voo: Embarque imediato. Logo depois a voz do além anunciou a última chamada. Meia-volta, volver. Toma bilhete, confere, abre a porta, choque térmico e corre. Não sei se eu corria pelo atraso ou do frio mesmo, sei que quase fui atropelada pelo trator de bagagem, ainda bem que o motoristas era gentil. Deveria haver mais motoristas de trator de bagagem nas ruas. Motoristas.

Não dormi, não li, não conversei com nenhum estranho, e após algum tempo avistei o verde do mar de Morro de São Paulo, Itaparica, Forte de São Marcelo, e pronto, cheguei. Desci com o bom e velho casaco, nunca se sabe. Em Salvador, 30º C, sensação térmica de 40º C.

Creio que um dos lugares preferidos de Murphy é a esteira de malas. Passaram vinte malas pretas, como a minha, e tive que ser um polvo para conferir tudo, e, claro, nenhuma era a minha. Foi aí que pensei seriamente que o mais vantajoso seria ter uma mala cor-de-rosa ou verde-limão. Então vieram as malas cor-de-rosa, azuis, laranja, verde-limão, roxa, da barbie, do mickey, da hello kitty, e nada da minha mala preta. Depois de ver a mala verde-bandeira cinco vezes, a minha finalmente apareceu. Pelo menos apareceu, podia ser pior.

No portão de desembarque, garotas gritavam insandecidas, com cartazes e camisas. Suspeitei que não fosse minha chegada que causasse tanto rebuliço. Logo os escritos da camisa satisfizeram minha curiosidade: "Fã clube oficial do Jeito Moleque". Ah, claro. Pelo que soube, a banda estava chegando para um show à tarde, o que provavelmente engarrafaria a Av. Paralela. Ainda bem que minha tia logo chegou, no estilo Chapolin Colorado, salvando-me do perigo, das fãs, bandas de pagode, trânsito e afins. A partir daí o domingo foi tranquilo. O domingo.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Levantar âncora

Há uma caixa de papelão aberta no meio do meu quarto, vazia, esperando que meus livros se desloquem da escrivaninha e se atirem nela. Gosto de objetos inanimados autônomos. Ainda não comecei a arrumar absolutamente nada, não por preguiça, mas simplesmente por não saber por onde começar. Odeio essa prática de ter que encaixotar minha vida para daqui a três semanas arrumar tudo de novo nas devidas estantes. Fazer as malas é uma das partes mais legais da viagem, mas encaixotar é um saco (com perdão do quase-trocadilho).

Como se não bastasse, tenho que terminar um relatório para amanhã (!!!), e depois de três horas criando raízes numa reunião mais enfadonha que tia-avó orando antes da ceia do Natal, devo conseguir a proeza de acordar cedo o suficiente para enfrentar a fila de inscrição, pela primeira vez no ano. Tudo isso porque há rumores de saída para o shopping na sexta. Bem, meu shampoo tem feito milagre da multiplicação até agora, mas não é bom abusar do santo. Vingança sacra em véspera de viagem é quase maldição. Portanto, vamos ao shampoo (é nesse momento que você se arrepende de ter saído de casa).

Na tentativa de ser uma pisciana mais organizada (que foi? Não vejo paradoxo algum!), apelei para as listas. Sim, no plural. Tentei fazer uma lista única, mas a discrepância entre itens me levou a uma segregação de ideias entre o necessário e o que chamo de menos essencial. Ficamos assim:

1) 1) Coisas de ordem prática

- shampoo
- lixa de unha
- fruittela
- elásticos e presilhas
- palavra cruzada (as empresas aéreas inventaram algo chamado conexão, uma espécie de concretização do tédio)
- trident azul
- ver o mar (de Salvador, porque o do Rio é gelado. Não que isso influencie na visão, mas enfim.)

2) 2) Coisas menos urgentes mas não menos importantes

- esfoliante

- cortar o cabelo

- transformador de voltagem

- sushi

- trocar as lentes dos óculos

- comprar estoque de fruittela

- sentir frio

- comprar caneta preta

3) 3) Coisinhas

- fondue de queijo

- sanduichão by papai

- arroz com pequi by mamãe
- olhar a caixa de correio

- ouvir o aprendiz de saxofonista da igreja ao lado de casa, às 7h da manhã!!

- puxar briga com meu irmãozinho de 1,85m e acabar apanhando, sempre

- morder Alice. Muito.


uhu.

terça-feira, 9 de junho de 2009

A saga continua

Sábado

Já acordei sem vontade de acordar. Mas tinha manteiga no café da manhã e isso muito me motivou. Ainda cedo fomos para o centro de Petrópolis, e a primeira parada já foi assustadora.

A Mansão da família Tavares Guerra, também conhecida como Casa Ipiranga, Mansão dos Sete erros e “A Casa mal assombrada” conserva sua estrutura e decoração originais, de cortinas douradas, lustres franceses, azulejos ingleses e outras velharias antiguidades. Os proprietários da casa devem ter seguido as medidas de conservação à risca, porque além do perigo eminente de ser esquartejado por tocar a cortina, até a poeira de lá parece ter 125 anos. Mas o lugar é bem interessante, bem como a ideia de memória passada pelo patriarca da família, mesmo com ácaros coloniais.

Petrópolis é realmente muito bonita, e não há como andar por lá sem imaginá-la nos tempos da corte. Ainda mais com o engarrafamento de carruagens da frente do Museu Imperial. Meu segundo ponto de parada foi a Igreja de São Pedro de Alcântara, localizada na Avenida Koëler. Desloquei-me pela nave vagarosamente, não exatamente por preguiça ou cansaço (por incrível que pareça), mas porque ouvia uma música, bem baixinho, que eu nem sabia de onde vinha, mas acalmava. Era uma espécie de canto gregoriano, creio eu. Alguém me tirou desse estado de quase transe para avisar que era hora de ir. Fiz um rápido sinal da cruz e voltei para o barulho do mundo.

Ainda não comentei o quanto a nossa guia era suspeita. Ela falava das coisas como se fosse contemporânea de D. Pedro II, e era ainda a principal suspeita do Mistério da Casa Ipiranga (dá até livro infantil). Chegamos ao Palácio de Cristal, que embora seja de blindex, é lindo. Foi lá que a colega de Matusalém comentou dos bailes que aconteciam no palácio, com certo saudosismo, relembrando as músicas “da nossa época”. Disse isso com tom de indignação, levando-me a crer que não foi convidada para o baile da Ilha Fiscal. Esses plebeus...

O Museu Imperial fica num terreno enorme. Não sei pra que tanto jardim para tão pouca casa. Ok, não tão pouca assim. A primeira coisa que visitei foi a varanda, onde fiquei meia hora sentada, esperando outro grupo sair. Fiquei impressionada com os tamanhos das carruagens. Sinceramente, aqueles bancos mal comportam um quadril tamanho 38, quem dirá aqueles vestidos armados da época. Aquilo desafia a física ou, no mínimo, minha compreensão de tamanho 38.

Enfim, o espetáculo. A noite estava fria e úmida em meio a todo aquele mato. O céu tinha um tom avermelhado, fazendo destoar o azul da torre da Catedral. Em frente ao portão do museu, esperávamos o início do espetáculo com música nos ouvidos e conversas aleatórias. A introdução do Som e Luz é algo quase Disney (embora eu nunca tenha ido à Disney): vozes estrondosas vindas das árvores (?), luzes verdes que só tornava tudo mais sombrio, sendo guiado por um dragão da independência, ou algo próximo. Vai ver era um lagarto. O espetáculo é lindo. E úmido. Portanto está faltando um elemento no nome, mas preferi não discutir. Ao fim, D. Pedro II virou herói e voltamos para o hotel.

domingo, 7 de junho de 2009

Pelas barbas do imperador

Acabei de chegar, já coloquei a roupa suja na máquina, tomei banho e desfiz a mala. Estou me tornando uma menina eficiente. Ainda estou meio tonta porque passei toda a viagem jogando cartas, o que é, além de jogo de raciocínio, uma prova de equilíbrio para manter o baralho em cima do violão (saída possível no corredor do ônibus) durante as curvas da serra. E com todas as adversidades ainda consegui ganhar dos marmanjos. Ha!
Bem, vamos ao que de fato importa: a viagem.


Sexta-feira, 05/06/09
Chegamos em Nogueira (distrito de Petrópolis) no fim da tarde de sexta. O quarto do hotel, que era divido por seis, continha uma cama de casal, duas de solteiro e um colchãozinho (vá, era humilde) no chão. Dessa forma, decidimos que escolha da cama seria de maneira justa e democrática: Quem chegar por último é a mulher do padreeee!!!
Bom, não preciso nem comentar toda a minha sagacidade e perspicácia ao ficar com a cama de casal.  ;D
Já imaginávamos que o banho seria um problema; um chuveiro para seis, tendo que ficar pronta em duas horas, não seria nada fácil. Mas meu querido Murphy não podia falhar nem mesmo na serra. A garota que entrou para tomar banho primeiro voltou dizendo que o chuveiro estava estranho. Acionei meu lado Yuri* e fui cumprir meu papel de macho. Sim, o aparelho estava estranho, inclusive a água, que até agora eu não sei se realmente era água ou algo próximo de piche. Essa é a parte em que peço para não imaginar a cena. Seis garotas no banheiro, eu, a anta, de toalha, decidi fuçar o problema. Fechei o registro; calma. Abri. A água(?) veio tão forte que que fez cair uma peça do chuveiro, jorrando água nas seis. No desespero de tentar recolocá-la, minha toalha caiu, escorreguei no tapetinho maldito, e de um segundo para outro começou a sair água fervendo. Levantei, fechei o registro, respirei, me recompus e... não consegui concertar o chuveiro. O banho foi alternando jatos de água a 90º C com outros de 3ºC.
Todas prontas e cheirosas (depois de alguns choques térmicos) fomos para uma noite alemã. Tentei não utilizar minha visão etnocêntrica, juro! Mas depois de 50 minutos tocando a mesma música, eu já não sabia se o velhinho realmente falava alemão ou se ele tinha exagerado na cerveja. Pior foi ser arrastada para a pista de baile, com sono, completamente desengonçada; tinha um tal de junta-separa-troca-de-lugar, que quando o grupo dava o primeiro passo eu já estava mudando de par, andava quando não devia e aí tinha que voltar correndo enquanto todos já estavam no passo seguinte. Meu intuito de discrição foi para o ralo, porque já não havia como não notar aquele ponto roxo destoando de todo o resto. Com muito sono e os pés ardendo de dor, consegui a proeza de chegar ao meu quarto, depois de dois lances de escada. Descobri que a melhor cama nem fez tanta diferença. Apaguei.

Aguardem os relatos finais. (sim, eu tenho leitores imaginários)

Nota: *ah, é uma longa história.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Parece piada

Mas é minha casa. Minha família é estranha, como todas as outras.  Divertida e cheia de conflitos, como a sua. Mas minha relação com meu pai é... no mínimo diferente.

E o telefone toca em um pacato lar conquistense.

Pai: alô
Bianca: Ooooi paaai!  =)*
P: pai? Que pai? Pai de quem?
B: bem... (?)
P: você passa uma semana sem dar notícias, nem sequer ligou pra casa, e ainda quer ter pai?!
B: ah, é que meu tempo é difícil aqui, assim como o acesso ao telefone...
P: ... até que você precise de dinheiro e resolva ligar.
B: que absurdo! Eu não ligo só pra pedir dinheiro. Agora mesmo, estou ligando pra contar que vou viajar no fim de semana.
P: e daí?
B: daí que vou precisar de dinheiro. =)
P: é isso mesmo, eu sou um explorado, sirvo apenas para mandar dinheiro (Avião cai próximo a Fernando de Noronha), você não faz a mínima questão de ligar pra saber como estão as coisas (OEA revoga exclusão de Cuba), fico aqui abandonado, consertando as tomadas (?) (Bovespa cai 3,5%), mas trabalhar que é bom ninguém quer (Quebrei minha lixa de unha), é só me explorar , isso é que importa (...)
B: ... puxa.
P: mas isso vai mudar. Vou começar a sair com minha nova galera que faz trilha!
B: oi?
P: Pois é, vou fazer trilha de moto.
B: mas você não tem moto.
P: vou comprar essa semana
B: haoiahaoaiahoaiahaoaiahoaiahaoihoaiahaoiuaoahoaiahoia
P: ta rindo do que?
B: err... nada. Mas então, como estávamos falando, aquele dinheiro...
P: pra que você quer dinheiro?
B: pra viajar.
P: vai pra São Paulo?
B: não, Petrópolis.
P: fazer...?
B: tomar um chá na casa de Santos Dummont.
P: em São Paulo???
B: não, pai, em Petrópolis!!!
P: e quem me garante que essa tal viagem não é uma forma de extorsão alternativa?
B:          ¬¬ 
P: P**a que P***u!!!!!!! Tomei um choque!
B: é o que dá sonhar que é eletricista. Deposita quando?

P: você não me convenceu ainda.
B: boa noite, pai.
P: tchau, até a próxima vez que precisar de dinheiro.
 

E até agora, nada na conta. Acho que estou de castigo. E por incrível que pareça, eles ficam mais severos quando saímos lá de casa. É que o efeito é maior, principalmente quando financeiro. Quanto à viagem, teremos notícias. Ou pelo menos assunto para o chá.

Nota:  * expressão de cinismo.

domingo, 17 de maio de 2009

Bãe, tô bal

Um dia frio, um bom lugar pra escrever um trabalho de Geografia de 15 páginas, o pensamento na prova de Matemática... e é assim que eu vivo.

Domingo é uma delícia. Exceto quando seu nariz está tão obstruído que já não se tem paladar. É o dia perfeito para acordar às 7:00, lavar roupa, e chegar na porta da biblioteca antes mesmo dela ser aberta. Como é sublime o dia de descanso do trabalhador.

Levantei com a cabeça pesando uma tonelada, dor em cada articulação. Fui me encaminhando para o banho e fazendo uma lista mental de doenças possíveis e seus respectivos remédios. É útil ser um hipocondríaco informado.
Mais tarde, fui procurar um diagnóstico preciso:
- Letiiiiiiiicia, me examina? com pneumonia.
- O que você tá sentindo?
- Fortes dores nas costelas.
- Você só dormiu de mal jeito.
- Mas dói quando eu respiro.
- Vai dormir que passa.

Fico revoltada com esses médicos insensíveis de hoje em dia. Tudo bem que Leticia não tem nem diploma de 2º grau, mas isso não a torna menos insensível. Saí. Caminhei sob um sol escaldante (tendência ao exagero semioculta) vestindo 3749 casacos (agora explícita), o que, claro, não podia passar despercebido. Em cada esquina (são muitas) tinha um pra perguntar:

- Que é isso, garota? Tá doente?
- Só um resfriado, coisa pouca, logo passa.

[3 min depois] 

- Meldels, Sampaio, tá doente?
- Só um resfriado, coisa pouca.

[1 min e 22 seg depois]

- Bah, guria, tá doente?
- Só um resfriado.

[45 seg depois]

- Biaaa, você tá doente?
- Sunresfrido.

[10 seg depois] 

- Caramba Bi...
- É GRIPE SUÍNA, QUER?????

Delicadeza e paciência não são muito abiguinhas.

E saga continuou... naquela velha fome noturna, fui comer uma pêra marota. Porém (termo de apimentação da história) ela estava levemente gelada. Tá, gelada demais para minhas pobres mãos enfermas. Portanto (termo de desproblemização), no auge de minha sapiência, deixei-a uns minutos no micro ondas (que só inicia o problema).
 Claro que eu sei que a bodega cozinha de dentro pra fora, coisetal, portando eu comeria uma pêra cozida. Mas eu até gosto. Na verdade não gosto, mas como não estou sentindo gosto nem mesmo do comprimido mastigado, encarei. Não faço ideia se estava bom, mas meu estômago não reclamou. Ainda. Posso acordar com uma infecção, só pra somar. Mas aí não poderia fazer a prova de Matemática. E como no início do texto, é só assim que eu vivo.

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Filosofias de mesa- Parte 1

Sabe 0 que eu acho legal? Limão. Mas se tem algo que eu não gosto é alho. Porque estes são meros detalhes. E um detalhe mal empregado pode causar desastres. É estranho como certos elementos da culinária são, além de inúteis, muitas vezes desprezíveis. É nesses momentos que a gente se pergunta: pra quê? 
De início, não sei quem foi a peste que cismou que alho era tempero! Sempre achei histórias de vampiros meio ilógicas, mas devo admitir que só o cheiro daquele troço já me faz permanecer a metros de distância de onde ele esteja. E quando você vai todo empolgadinho apanhar  o filé, e o danado está completamente contaminado por alho, que se você for catar em plena fila do você-que-se-selve-se, corre o risco de ser linchado. Meu caro, é este o momento de praguejar contra o maldito.
Tenho um professor que diz que batata-doce é o demônio em forma de vegetal, e uma professora que acredita que a salsa vai dominar o mundo. Tá, mas e o alho? Ele é tão marginal que nem ao menos o lembram nesses momentos fatídicos. Francamente, o que dizer de um vegetal (?) que tem cabeça e dente?
Admito que meu trauma tem raízes. Chegava a evitar a casa da minha avó em tempos de gripe. Não vou contestar o poder de cura do Allium sativum, mas enfiar aquela gosma de alho e mel garganta abaixo, além de um estupro medicinal, não me trazia melhoria alguma. Aí fiquei assim, odiando alho para todo o sempre, amém. Texto inútil né?

Bom, o limão não entra no post, mas como ele é azedo e combina com tudo, ficou bonitinho na entrada. É, percebe-se que eu gosto de limão.

domingo, 3 de maio de 2009

Achados não perdidos

E numa bela manhã de sol, minha agenda havia simplesmente desaparecido. Claro que minha memória nunca foi nada muito louvável, mas realmente não me lembrava de tê-la deixado em algum lugar (a agenda, não a memória). Procurei em todos os lugares possíveis, até que me conformei em não vê-la mais. E realmente não vi, durante dois meses. Noite qualquer, cheguei ao quarto, e quem encontro em cima da cama? A dita cuja. Pensei: uma das minhas colegas de quarto deve, ter achado, ou alguém entregou a elas. Mas quando as encontrei, disseram que não sabiam de agenda nenhuma. Ninguém mais tem acesso ao meu quarto. Eis o mistério da fé, digo, da agenda. E eu bem me conformei.
Acontece que há cerca de três semanas, procurei na mochila, lugar de onde nunca saía, a minha pasta de papéis (textos, documentos, provas), e com surpresa não a achei. Também não achei no quarto, no armário, em alguma sala de aula, nada. E em todo esse tempo, ninguém apareceu para me entregar. Tudo bem, até que ontem, ao entrar no quarto, deparo com a pasta no chão, como se tivessem jogado. Porém, contudo, entretanto, todavia (e outras ressalvas) a bendita NÃO passa por baixo da porta, e mais uma vez, nenhuma das outras duas sabiam de pasta alguma.
Por que eu? E de novo? Às vezes me cansa esse meu poder de atração sobre coisas estranhas. Vovó diria é resultado de pouca reza. Valei-me.

sexta-feira, 1 de maio de 2009

Uma manhã cinza

Essa cor, que é de dia que ainda é noite, faz a gente acordar tarde, não tem jeito. Mas até poder-se realmente olhar o dia, há todo um ritual. Um quê de abrir os olhos de mansinho, como a espiar se já é mesmo a hora, e a dúvida faz tudo fluir devagar numa manhã de sexta- feriado. Levantar da cama com quem ainda dorme; os cabelos em sua rebeldia matinal. No trajeto entre o quarto e o banheiro, um corredor que faço ficar infinito num caminhar paciente. O espelho ri de mim, não como quem zomba, mas de realmente ver certa graça em cena tão pitoresca.

Volto ao meu cenário original em sua arrumação peculiar: cama desfeita com bichos de pelúcia espalhados, um tênis roxo largado no chão, escrivaninha espalhafatosa, de livros espalhados, cd’s espalhados, canetas, relógio, remédios, compromissos, saudades, perfume, papéis de fruittela, papéis de texto, papéis de recados, uma câmera polaroid quebrada, e em algum ponto, eu, vestida com meu melhor pijama de ovelhinhas, ao som do Canto de Ossanha, pensando em como seria a manhã se o sol estivesse mais vivo, ou se eu mesma tivesse acordado mais tarde, ou se simplesmente o mundo não tivesse acordado. Não hoje.

domingo, 26 de abril de 2009

Um brinde ao ócio

Passei a tarde e boa parte da noite dedicada a um singelo trabalhinho de literatura. Além do meu nível básico de estresse, estava levemente desesperada com o tempo, então fui atrás de café para aguentar a madrugada. A máquina de café mais usada do refeitório estava desligada. Pois é. Mas eu, espírito em evolução que sou, fui caminhando CALMAMENTE até o outro lado (e o caminho É longo), e eis que a segunda máquina também estava desligada. Aí, meu caro, tive que explodir.

 

BP-NÃOÉPOSSÍVELQUETENHAMCORTADONOSSACAFEÍNAAAAAAAAAAHHHHHHH!

(Alguém pelas redondezas)- Ihh, minha filha, já cortaram o chocolate, a coca-cola, fritura... isso é o de menos.

 

            É claro que respirei fundo, não posso desandar o processo de evolução. Mas respirei beeeem fundo. Tudo bem que minhas células adiposas ficam muito felizes com chocolate, mas CAFÉ??? Café é meu combustível de trabalho, isso é um absurdo. Fiquei tão indignada que terminei o trabalho muito antes que o previsto, e agora cá estou, sem nada para fazer. 

            Embora eu realmente prefira toddy ao tédio, não é isso. É algo muito mais sublime e essencial: é ócio. Este sim, um verdadeiro bálsamo benigno. Ele é que lhe permite, além de não fazer nada, não ter nada pra fazer. Creio que hoje, é esse o artigo mais caro onde vivo. Mais que uma barra de hershey's, uma caneca de café, um 10 na prova de química inorgânica ou repetir a sobremesa. O bem mais cobiçado de minha apressada vida ultimamente é poder ficar contando os quadradinhos do gesso do teto.

            É domingo e vou acordar bem cedo. Só pra não fazer nada.

 

terça-feira, 7 de abril de 2009

Na medida da lata

Forca viva, alma líquida, olhos no chão. Ela era o que os outros não desejavam ser. O senso comum, o medo do perigo, tudo isso indicava a direção certa. E era pela oposta que ela costumava andar. Todos a chamavam, gritavam: placas, setas. Querer só o que se pode ver não a satisfazia. Agora sem ela, ainda há um mundo colorido antes do “compre já”. Frida não combina com as ruas frias, Warhol já não é pop. Tudo mudou, exceto o “agite antes de usar”. Comprava sonhos em frasquinhos; 350 mililitros. Tinha uma forma peculiar de ver o mundo, que não a via, e um estranho jeito de gostar de opostos. Por isso a fazia bem andar à noite, se camuflava no escuro.

Foi contando os trocados do café até encontrar o comércio mais próximo. O atendente a olhou e disse: vai levar quantos? Levaria todo o maço se pudesse, mas o bolso não estava para isso. “Três apenas”, respondeu tentando desviar os olhos. O lugar era bem simples, até porque já não podia exigir muito. No letreiro um tanto enferrujado lia-se “MERCADINHO FAMÍLIA”, embora não fosse nada acolhedor.
            - Mais alguma coisa?- naquele instante ele lhe recordou algo, mas que fugiu assim como veio.
Seus olhos eram extremamente indagadores e ela tinha vontade de pedir um isqueiro.  Ele parado.
            - Uma caixa de fósforos, por favor.

Levou um bom tempo até chegar em casa. Não sabia se por pensar no rapaz ou mesmo para saborear o trago, porque sabe, a noite costuma ser fria (e a brasa pouca).  Mal havia entrado em seu novo lar e já sentia o cheiro de mofo que tanto a atordoava. Bebeu o resto da água que havia sobrado num copo largado em cima do caixote que fizera de mesa. Tinha gosto de decadência. Perséfone apareceu sorrateiramente e aninhou-se entre suas pernas. Mal sabia que o tempo de filé mignon havia acabado. Teria de aprender a caçar ratos, como ela estava aprendendo. No fundo era essa a vida que sempre quis ter. Sem perfumes, sem anjo da guarda, sem cores (um apartamento cinza), só ela e sua gata.

Acordou por força do hábito, e em pouco tempo os raios de sol já vinham açoitá-la pela janela. Deitada no chão mirava as manchas de infiltração do teto e seus bizarros desenhos entre notas musicais. Perséfone ronronava num canto. Agora sim sabia que solidão era a companhia mais fiel. “Ainda bem que é o fim do inverno, logo ela volta do submundo”- pensou. Ficou ali, calma, enquanto os automóveis tinham pressa na avenida.

Sua mesa improvisada parecia tão longe, sentia-se exaurida, gasta até a última gota. Seus desejos eram os mais ínfimos: uma caneca de café forte e quase frio; abandono. A tarde cinza era sem sol, sem chuva, sem graça.

A noite chegou sem que ela ao menos se movesse. A lâmpada piscava, piscava e não queimava, porque algo ainda a conservava. Talvez tenha a missão de iluminar seu fim. Um inseto impertinente zumbindo ao redor em busca da luz, a faz lembrar as pessoas. Aquelas que cumpriam os mesmos padrões, embalagens e conteúdo, nos quais ela não se enquadrou. Olhou a garrafa de conhaque vazia e nesse momento era tudo isso: vazia. Não merecia sentimento algum dentro de si, nem mesmo o conhaque culinário mais vagabundo, sequer retocar o batom. Sabe que sua verdadeira face é aquele estado lastimável, embora quisesse tanto ser uma rosa, tão vermelha quanto sua vida. Sim, lembrava agora de suas noites mal iluminadas por uma luz avermelhada. E só. Não dormia para não ter que sonhar, até que seu tempo findou. O movimento na avenida continuava. A lâmpada piscou outra vez. Ela apagou.

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Ignorando Adriana Calcanhotto

Há muito que o sábado deixou de ser dia da vadiagem malemolente. Agora além da manhã de estudo, tenho uma tarde de serviços. Mas tudo bem, é esse tipo de coisa que evolui o espírito. E na tarde desse último sábado, eu deveria ter ido à palestra do trabalho voluntário obrigatório (vulgo trabalho escravo), mas consegui escapar, graças ao bom Vagner, que me designou serviços mais interessantes no teatro, como arrumá-lo para a visita da Adriana Calcanhotto.              

A entrevista com ela foi melhor do que eu esperava. Ela é menos seca do que eu imaginava. É engraçado analisar como ela passa sensações diferentes. Enquanto eu estava na plateia ela me pareceu um tanto carrancuda, mas quando subi ao palco, ela tinha uma expressão sorridente, mesmo sem sorrir. Ah, sim, este foi o cume do evento: a profa. Regina chamou ao palco os vencedores do concurso literário, e como eu era a primeira da fila, fui um guia meio perdido. Cheguei ao palco ainda sem saber o que fazer, ninguém me havia instruído, e eu sabia que, não importava o que eu fizesse, o resto da fila me seguiria. E isso era muito mau. Então eu, caradepaumente, fui até ela, e como a indigna nem se levantou para me cumprimentar, abracei-a ali mesmo, quase sufoquei a mulher, e pedi que autografasse meu livro. Minha atitude deve ser sido tão idiota, que, para minha surpresa, o resto da fila não me seguiu. Nesse instante me chama  Janaína, que estava ao lado da escada que dava acesso ao palco:

Jana: Bianca, lê o texto!? Cadê
Eu calma: Tá ali embaixo, relaxe.
Adriana Calcanhotto: Ei, qual o seu nome?
Eu ,atrapalhada, de costas para ela, gritando em cima do palco: Guilheeerme, cadê meu teeexto?
Adriana Calcanhotto:  ...
Eu nervosa: É Bianca, Bianca Sampaio!!!

Novamente dei as costas a Adrix eu comecei a ler o texto, já sabendo que a platéia ia dormir na metade. Não apenas eu senti, como todos perceberam a folha de papel vibrando freneticamente em minha mão. É, nem tava nervosa.

Em um momento do texto, depois de ter falado no microfone “o copo de conhaque”, pensei: droga, deveria ter dito “o copo de coca-cola”. Duas linhas abaixo tinha outro conhaque, mas aí já não adiantava mudar, porque transformar conhaque em coca-cola, aí nem Jesus! Consegui terminar o texto sem desmaiar e peguei de volta meu livro, agora já autografado com os dizeres “A Bianca a Saga Lusa, com palavras que me faltam.”

Não sei se ela simplesmente não estava a fim de escrever, ou se devo acreditar no meu professor, que disse que ela até parou de autografar só para me ouvir e ficou sem palavras. Por via das dúvidas, escolho a segunda. Para algo nessa vida eu tenho que servir!

Amanhã eu posto o famigerado (pelo menos para meu professor de matemática, que teve que aceitar a justificativa de não estudado pro teste no fim de semana) texto.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

.

Ele é sempre e ainda muito pouco. Um ponto não é notável. Um ponto é o degrau de quem desce. Tomo nota em importantes escritos de que um ponto conclui epopeias.
Um ponto cura feridas, fecha estadas, abre caminhos. É o ponto de partida, é o ponto final, absoluto constituinte do meio. O ponto é o marco zero. Ou a Ladeira da Sé, para quem desce a pé seus pontos turísticos.
Aparece acompanhado das mais variadas formas, entre linhas e curvas, mas é indubitavelmente solitário. Eu que sou ponto, sei. Eu que cheguei a esse mundo sem qualquer ajuda, pontuei cada rastro do meu passo. E digo em voz baixa: um ponto é apenas um.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Conversa aleatória com amigo

- Não suporto esses analfabetos que ganham dinheiro pra f#@*r na frente de idiotas.

- É, também não curto políticos.

-  Tô falando dos bbb’s

- Ah, tá.

Tudo começou assim,

eu me levantei da cama, e zaz! Meu dia virou uma m...!
Já tinha dito a minha mãe que eu marcaria uma consulta médica. Que EU marcaria uma consulta médica. 
 - Filha, marquei sua consulta para 14h.
 - Mas você nem sabe o que ou fazer hoje à tarde!
 - O de sempre, nada.
 - Obrigada, mãe.    -.-' 

Não é só para não me inferiorizar, mas o fato de eu estar enclausurada num repouso não quer dizer que eu não tenha uma agenda de compromissos. Tá, quer dizer sim.
Então, lá fui eu, feliz e saltitante, num sol de rachar o chão, pra chegar e ouvir o infeliz ler os exames e dizer: tá tudo bem, não tem problema nenhum. 
 - Como assim não tem problema NENHUM? (tem noção do que é para uma hipocondríaca ouvir isso?)

Passei na farmácia para pelo menos pegar um dramin e voltei para minha torre. Tive que escutar meu pai reclamando que só fico na internet o dia inteiro... vou fazer o que? Ponto de cruz e tricô? E nem é o dia inteiro, metade eu durmo. Fiquei nervosa e acabei sendo estúpida numa ligação importante (pelo menos pra mim), comi muuuito chocolate e falei o que não devia pra quem não devia. Resumo da ópera: hoje eu só fiz m*!

Observação do dia: a vida não dá ctrl+z, ficadica.

Ouvindo: zabumba zunindo no colo de Deus... água nos olhos que a seca bebeu.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Boemia,

Boemia,

aqui me tens de regresso.

Confesso que realmente não pensava em voltar. A ideia de abandono nunca me soou desoladora, e, cá pra nós, não sou nem um pouco sentimental. Acontece que um amigo andou fuçando por essas bandas e me contou como estava a situação. Andei lendo uns posts antigos e até me surpreendi com algumas situações das quais nem lembrava. Foi um profundo momento de nostalgia, não só por relembrar algumas situações, mas também por reviver como eu mesma era. É, tá confuso, mas alguém específico vai entender, melhor que eu, inclusive.
Fato é que agora estou aqui, no ponto inicial, com leves mudanças: o vizinho do reggae foi pro México, outra padaria (menos suspeita) foi aberta na esquina, o incondicional fã de Nelson Gonçalves descobriu a revelação Agnaldo Timóteo... tudo bem que algumas coisas simplesmente não mudam, e ele continua lavando o carro todos os dias, mas quem sou eu pra julgar!
O que também não mudou foi meu desastroso desempenho em Geometria, agora sem a verruga, digo, Edimário, e disfarçada sob o nome de Matemática II, o que não a torna mais encantadora.
O que, atendendo a milhares de pedidos também volta, é meu relato auditivo, então vá lá!

Ouvindo: O astronauta de mármore- Nenhum de nós. “desculpe, estranho, eu voltei mais puro do céu”